Aumenta o número de pessoas que optam por não ter veículo próprio. Para urbanista, percepções diferentes das novas gerações, como o desinteresse em ter um automóvel, já impactam na ocupação dos espaços. Grandes cidades já permitem a construção de prédios inteiros sem obrigatoriedade de vagas para garagens
O assistente jurídico Kevin Augusto Batista de Moraes Noleto, 26 anos, conta que em 2013 chegou a abrir um processo para obtenção de sua CNH [Carteira Nacional de Habilitação], mas precisou mudar de cidade e a intenção de ter um documento de habilitação foi abandonada. Vale salientar que a decisão em não querer tirar a carteira de motorista não se deu por qualquer limitação física, intelectual ou financeira, mas sim porque Kevin, assim como muita gente hoje em dia, percebeu que uma CNH não lhe faz falta, pois ter um carro próprio não é uma necessidade e muito menos um sonho.
Opções como a de Kevin têm sido cada vez mais frequentes, principalmente entre os jovens. Dados do Departamento Nacional de Trânsito – Denatran - mostram que as emissões de CNHs, para condutores na faixa dos 18 a 21 anos, caíram mais de 20% em três anos, passando de 1,2 milhão para 939 mil habilitações, entre 2014 a 2017. Outro levantamento, feito pelo Ibope em 2019, aponta que apenas 27% dos homens e mulheres brasileiros com idade até 25 anos têm CNH. Outra pesquisa, também de 2019 e feita pela consultoria empresarial Deloitte, revela que 56% dos jovens brasileiros das gerações Y e Z consideram dispensável possuir um automóvel no futuro.
“Antes até tinha a ideia de que precisava comprar um carro, pois entendia que era a melhor forma de locomoção que eu poderia ter. Mas analisando tudo, os gastos, o trabalho que teria com a manutenção, eu percebi que o carro seria na verdade uma limitação para mim, e gastaria bem mais do que os cerca de R$ 300 ou R$ 400 que gasto mensalmente com aplicativos de transporte”, conta Kevin.
Definitivamente Kevin não está sozinho nesta lógica de que ter um carro próprio traz muito mais trabalho do que vantagens, como explica o arquiteto e urbanista Paulo Renato Alves. Segundo ele, muitos dos integrantes das gerações Y (nascidos entre meados dos anos 1980 e década de 90) e Z (nascidos após anos 2000) se adaptaram muito bem a ferramentas como os aplicativos de transporte e ao uso da bicicleta como meio de locomoção individual. “Hoje em dia você pode, a um toque do celular, pedir um carro que irá te levar na hora que quiser e para onde quiser, e você não tem que se preocupar com gasolina, com vaga para estacionamento, com risco de bater em alguém ou alguém bater em você. Então essa nova geração pensa o seguinte: “por que investir meu dinheiro suado num carro, em que terei que pagar todo ano licenciamento, IPVA, seguro, manutenção?” Pra eles, isso não faz sentido”, pontua o arquiteto.
Kevin Moraes também percebe que essa necessidade maior em ter um carro vem muito da geração de seus pais. “Vejo que na cabeça das pessoas mais velhas está muito arraigada essa ideia de que o carro é uma necessidade da vida, e de que a pessoa não está realizada enquanto não tiver um”, avalia.
Novos conceitos
Para Paulo Renato, esses novos conceitos de vida e novos hábitos de consumo dos jovens de hoje irão, num futuro muito breve, impactar fortemente nas formas de ocupação dos espaços urbanos, na organização e qualidade de vida dos grandes centros. “Em São Paulo e em outras grandes cidades, já é permitida a construção de prédios sem a obrigatoriedade de se ter uma garagem. As ciclovias, embora num ritmo ainda lento aqui no Brasil, começam a tomar mais espaço nas avenidas dos grandes centros. Goiânia, inclusive, precisa levar este debate em seu Plano Diretor que está sendo revisado na Câmara Municipal”, sugere o urbanista.
Paulo Renato também lembra que os jovens de hoje, em sua grande maioria, prezam muito mais a questão ambiental. “Na cabeça deles a emissão de CO2 pelos carros, por exemplo, já é algo bem condenável”, afirma. Embora não seja o principal motivo, Kevin admite que parte do seu desinteresse em ter um carro vem também de uma preocupação com o meio ambiente. “A minha opção em não ter um veículo também tem a ver com a questão ambiental, já que é um carro a menos na rua. Sei que essa minha escolha tem um impacto ainda pequeno, mas não deixa de ser uma contribuição”, esclarece o assistente judicial, que desde 2014 mudou-se definitivamente para Goiânia.
O arquiteto e urbanista também lembra que as novas gerações já convivem com uma nova forma de organização dos espaços urbanos, onde se abandonou aquele modelo antigo de um único grande centro. “A compactação e a criação de múltiplas centralidades ajudam nessa redução do uso do carro. Hoje é diferente, temos vários centros, onde cada bairro ou microrregião acaba tendo sua autonomia em comércio, serviços e lazer. A pessoa, além de todo o comércio essencial, tem perto de casa serviços de saúde, escolas públicas e particulares, academias, opções de lazer, e pode até trabalhar perto da residência”, explica.
Um carro
Embora tenha um carro para a família, o empresário e educador financeiro Maurício Vono, de 36 anos, também aderiu à opção de não usar o veículo próprio como principal meio de locomoção. “Eu e minha esposa até temos condições de termos dois carros, mas avaliamos que seria um gasto desnecessário, já que um veículo só nos atende muito bem”, revela o empresário, que hoje tem como principal forma de locomoção os serviços transporte por aplicativo. Segundo ele, o carro da família fica com a esposa, que precisa se deslocar mais, devido ao trabalho mais distante.
Segundo Vono, a opção de não ter o carro próprio como principal forma de transporte vem desde 2015, e ele diz não se arrepender. “Em 2015 eu decidi vender o carro que tinha, a princípio, para comprar um mais barato. Mas antes de comprar, decidi passar um mês sem usar carro e avaliar como seria minha rotina e se o custo valeria a pena, na época inclusive ainda não havia chegado em Goiânia o transporte por aplicativo, eu usava o táxi ainda. Passado um mês, mantive a decisão de não usar o veículo próprio e o dinheiro que reservei, usei para montar uma carteira de investimentos, que acabou me rendendo bem mais”, diz.
Para se adaptar melhor a essa sua escolha em não usar um automóvel próprio, Maurício Vono conta que precisou se adaptar um pouco em relação a sua logística diária, mas assegura que vale a pena, pois além de economizar, conseguiu fugir do estresse do trânsito. “O bairro em que moro é bem perto de onde trabalho, e isso foi uma escolha que fiz justamente pensando em percorrer menores distâncias. Também fiz uma escolha estratégia em relação a localização do meu escritório, que é próximo da minha casa, não um próximo que dê para ir a pé, mas o tempo de trânsito que pego usando o transporte por aplicativo ou indo de carona com minha esposa é muito curto. Portanto, a rotina fica realmente bem mais simplificada”, afirma.
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Fonte e Imagem: Comunicação Sem Fronteiras
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