Advogado especialista em direitos do consumidor acredita que bons consumidores serão disputados pelas instituições e assédio, em vez de beneficiar, trará mais problemas
A aprovação do cadastro positivo pela Câmara dos Deputados, na noite desta quarta-feira (09), como diz o ditado “é uma faca de dois gumes”. Pode ser bom, conforme a proposta patrocinada pela equipe econômica do governo de que o cadastro de bons pagadores ajudará na redução de juros ao consumidor final ou, pode ser ruim, caso os dados pessoais e financeiros expostos à várias empresas tornem a vida dessas pessoas um intenso assédio por propostas que elas não desejam receber. “Outra preocupação é como essas informações serão acessadas, por quais empresas e o que essas empresas e instituições farão com esses dados já que não há controle na venda de listas que envolvem dados como endereço, telefone e e-mail das pessoas”, salienta o advogado especialista em direitos do consumidor e do fornecedor, Dori Boucault, do LTSA Escritório de Advogados.
Na próxima semana o cadastro positivo deve ser discutido no Senado e um dos destaques que deve ser colocado em votação é a retirada do artigo que torna a adesão ao cadastro automática. O governo sustenta que, pelo projeto, as informações dos consumidores serão enviadas aos escritórios de crédito, que terão regras mais rígidas do Banco Central para operar. Os escritórios produzirão notas de crédito de consumidores e empresas, e só esse resultado final será visível às instituições que ofereçam crédito. Somente após a autorização do consumidor, os emprestadores poderão ter acesso ao cadastro completo do cliente.
Assim como o cadastro de inadimplentes, ou devedores, o cadastro positivo é mantido pos empresas como Serasa Experian, SPC Brasil, Boa Vista Serviços. Esses escritórios, ou birôs de crédito, como são chamados, fazem uma união de informações que promovem o histórico de crédito dos consumidores que antes tinham a opção de aderir ao cadastro positivo. O banco de dados é montado a partir das operações de crédito existentes e permitem que empresas e bancos o consultem a fim de saber, através dessa consulta ao cadastro, se o consumidor é um bom pagador.
O texto-base do projeto de lei prevê a adesão automática de todos os consumidores ao cadastro positivo, ou seja, quem é bom pagador terá seu nome, seus dados pessoais como RG, CPF, nome dos pais, colocados em uma espécie de banco de dados. Entidades de defesa do consumidor ainda se mostram preocupadas com o sigilo das informações dos consumidores. “Como ter certeza? Não teremos essa condição de fato, o pessoal invade vários sistemas, inclusive o de segurança nacional, então, é complicado o compartilhamento de dados”, explica Boucault.
Entre as informações que constam do cadastro positivo estão: as datas de concessão de empréstimo ou financiamento; data da assunção da obrigação ou compromisso de pagamento; o valor original total do empréstimo ou da obrigação assumida; os valores das prestações de empréstimos ou financiamentos, ou parcelas das obrigações ou compromissos e suas datas de vencimento; os valores pagos, mesmo que parciais das prestações do empréstimo ou financiamento ou parcelas das obrigações, indicando as datas do pagamento. Ou seja, todo o histórico financeiro de quem, em algum momento, efetuou empréstimo, obteve financiamento ou comprou parceladamente.
Nele (cadastro positivo) constarão ainda uma série de dados pessoais essenciais, como CPF, RG, nome da mãe, data de nascimento, endereço residencial, telefones e e-mails. Antes, o consumidor decidia se queria ter seus dados numa lista de cadastro positivo, agora será automático. Esses dados poderão ser obtidos nas empresas de serviços continuados como concessionárias de serviços públicos, operadoras de TV a cabo, e outras, que possuem os dados pessoais do consumidor. A pergunta que todos fazem é: Será que há realmente vantagem ao consumidor estar num cadastro positivo?
Ao ter acesso ao cadastro positivo de um consumidor, as empresas podem saber quais obrigações ele tem e se ele as quita em dia. Com um quadro tão detalhado do comportamento financeiro dos clientes, em tese, os bancos e financeiras, as lojas e as empresas poderão oferecer melhores condições de pagamento aos bons pagadores. Os exemplos citados pelos economistas da equipe econômica do governo são: taxas de juros menores, prazos maiores, melhor adequação das datas de vencimento. “Em tese, podem elas oferecer isso aos bons consumidores”, diz Boucault.
É notório que os chamados efeitos positivos para o consumidor estão condicionados à adesão em larga escala ao cadastro, sendo necessário um número significativo de pessoas com histórico consistente de pagamento para permitir que as empresas concedentes de crédito melhorem a qualidade de suas ofertas. “Talvez como essa adesão antes era condicionada, os parlamentares decidiram, depois da proposta do governo, impor ao cidadão que paga em dia suas obrigações que ele seja incluído no cadastro positivo automaticamente”, afirma o especialista em direitos do consumidor.
Os bons pagadores, segundo ele, poderão sofrer assédio das empresas interessadas em atraí-los para seus produtos ou serviços. A proposta prevê que apenas uma nota dada pelo birô para o bom pagador será mostrada e que caberá a ele a decisão de autorizar ou não a abertura de seus dados. “Mas, depois de autorizada, o consumidor entra para as listas das instituições que são comercializadas e ele passará a ser assediado”, aposta Boucault. O advogado diz que a operação do cadastro deveria ser ao contrário, quando o consumidor procurar pelo serviço, apenas sua nota deveria ser dada pelos birôs, mostrando à financeira, banco ou loja, que ele é bom pagador. “Senão vai acontecer o que já é hoje: após obter as informações das consultas, as empresas vão ligar indiscriminadamente, enviar e-mails marketing contínuos”, salienta.
Segundo Boucault, as instituições financeiras já contam com ampla base de informações dos dados das pessoas para fazer uma análise de crédito e também, é claro, que a pessoa que não tem seu CPF negativado ou nome sujo na praça comercial, é boa pagadora. Por outro lado, formar um cadastro automático pode gerar ainda mais desconforto em relação à segurança desses dados. Com tantas informações disponíveis, uma invasão ao sistema ou a abertura indevida desses dados pode gerar muitos outros problemas. “Isso infelizmente é constante, vemos na imprensa, nos julgados, casos de pessoas cujos documentos foram clonados seja por invasão, comercialização de listas de dados, justamente por falta de segurança. Não há uma garantia”, observa Boucault.
A única defesa que o consumidor será a de torcer para que os birôs cuidem desses dados. O artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê que em caso de invasão de dados, proveniente de uma relação de consumo, o consumidor tem prazo de 5 anos para reparação dos danos sofridos, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Ao descobrir o vazamento, ele deve abrir um boletim administrativo na instituição para as providências cabíveis. “Sendo o consumidor vulnerável, existe a chamada inversão do ônus da prova para facilitar a defesa dos direitos do consumidor. Se as alegações do consumidor estiverem bem fundamentadas, por ele ser hipossuficiente, ou seja, não ter conhecimento da sistemática da instituição financeira, pode o juiz obrigar a empresa a mostrar que os dados foram usados pelo consumidor e não vazados por ela”, diz.
Segundo o especialista, é muito importante também que em caso de vazamentos, o consumidor comunique à Polícia para apuração e investigação dos aspectos criminais e penais sobre o uso de seu nome, dados, transações, saques, cartões, financiamentos ou empréstimos, etc. “Hoje em dia é possível comprovar que as vítimas (dos vazamentos) não estavam e não foram aos locais onde essas transações foram feitas, aprovadas, assinadas. Basta uma investigação no local para verificar se houve presença física ou assinatura do consumidor, o que normalmente não ocorre quando há vazamentos de dados. Os criminosos agem porque possuem as informações necessárias e as usam para obter as vantagens que o cadastro do bom pagador tem junto as empresas”, conclui Dori Boucault.
Mais sobre Dori Boucault
Consultor de relação de consumo e advogado especialista em direito do consumidor e fornecedor, Dori Boucault, é um dos profissionais mais requisitados para palestras e seminários sobre o assunto. Em suas palestras e seminários, fala com desenvoltura sobre assuntos espinhosos que, por vezes, se tornam uma dor de cabeça para consumidores e fornecedores. Entre suas especialidades está a educação financeira, que auxilia o consumidor a controlar seus recursos. Dori possui uma forma irreverente de explicar os direitos e deveres de ambas as partes – cliente final e fornecedor – de forma didática, leve e descontraída.
Para saber mais sobre Dori acesse:
www.doriboucault.com.br.
www.facebook.com.br/doriboucault
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Fonte: Vicão Estratégica Comunicação - http://www.visaoestrategica.com.br
Cadastro positivo: Bons pagadores terão redução de juros em empréstimos
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