Sociedades uniprofissionais são aquelas que reúnem profissionais liberais (por exemplo: advogados, arquitetos, engenheiros, médicos) para o exercício de sua atividade-fim.
A principal discussão jurídica em torno destas sociedades é relativa à forma de recolhimento do ISS. Em regra, elas podem recolher o ISS fixo, uma vez por ano, se não apresentarem cunho empresarial. Caso o apresentem, sofrerão um impacto tributário relevante (na maior parte dos casos, de 5% sobre o valor de cada nota emitida).
É uma grande vantagem econômica para a sociedade. Vantagem que, como é evidente, é combatida a todo custo pelo Fisco. Este sempre busca a descaracterização do enquadramento, para a eliminação do benefício fiscal. E, neste combate, têm surgido alguns entendimentos a respeito das características das uniprofissionais com os quais não podemos concordar.
Para saber quem tem direito ao recolhimento da tributação fixa anual, deve-se saber se o objeto da sociedade a caracteriza como uniprofissional, e se a forma de atuação não a caracteriza como empresarial.
Quanto ao objeto, não há maiores dificuldades de interpretação. É usual que as leis municipais que regulam o ISS listem as atividades que autorizam o enquadramento. Em Curitiba, por exemplo, a Lei Complementar 40/2001 arrola como uniprofissionais as sociedades de médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos, protéticos, médicos veterinários, contadores e técnicos em contabilidade, agentes da propriedade industrial, advogados, engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos, dentistas, economistas, psicólogos, psicanalistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, administradores, jornalistas e geólogos.
Já quanto à inexistência de cunho empresarial, sobram incertezas. E, o que é pior: a fome de arrecadação do Fisco tem feito com que surjam certos critérios de identificação que fazem com que, no fundo, não haja uniprofissionais isentas de um desenquadramento forçado. Podemos citar os seguintes critérios, todos encontrados em nossa jurisprudência:
•a) cláusula de limitação de responsabilidade: as uniprofissionais podem se constituir como sociedades limitadas. Aliás, esta é a regra geral. Mas há decisões em que a cláusula geral de limitação de responsabilidade (art. 1.052 do Código Civil) foi apontada como elemento de caracterização de cunho empresarial. Justifica-se que os profissionais devem assumir pessoalmente a responsabilidade pelas falhas na prestação de seus serviços;
•b) existência de um controlador: o fato de as participações societárias serem desiguais criaria, segundo o entendimento de alguns julgadores, uma categorização entre os sócios que não seria admitida nas uniprofissionais;
•c) pagamento de pro labore aos administradores: toda sociedades tem administrador. E todo administrador faz jus ao recebimento de pro labore. Mas o fato de recebê-lo, ainda que em valores baixos, fez com que, em alguns julgados, fosse identificada uma gestão profissionalizada, incompatível com as uniprofissionais; e
•d) inexistência de carteira individual de clientes: se os clientes forem da sociedade, e não individualmente distribuídos entre seus sócios, estaria, para alguns, revelado o cunho empresarial.
Estes são apenas alguns exemplos. Eles bastam para que possamos perceber o equívoco do método.
Não é possível fixar tal cunho empresarial em uma cláusula contratual padrão (como as relativas à responsabilidade dos sócios e ao pagamento de pro labore), na diferenciação entre os sócios (que é absolutamente natural, já podem existir sócios fundadores e recentes) ou na forma de atendimento aos clientes (que nem mesmo é objeto de registro público). Aliás, não é possível utilizar critérios tão pontuais. Eles transformam a exceção (existência de cunho empresarial) em regra. É preciso recuperar os fundamentos da teoria da empresa para que se possam construir parâmetros mais sólidos.
Nossa proposta parte exatamente da figura da empresa. Mais: de um de seus aspectos econômicos pouco considerados pelos aplicadores do direito. Vamos partir da percepção de que as empresas podem ser vendidas.
De fato, quem cria uma empresa não vislumbra apenas a geração de lucros. É natural que busque também a valorização da empresa em si, para que a mesma possa ser vendida (de preferência, com elevados ganhos).
Esta transferência pode apresentar diversos formatos jurídicos. Pode ser feita por meio de uma operação societária (transferência das quotas ou ações em que se divide o seu capital social), de um trespasse de estabelecimento (no fundo, a regulação do estabelecimento no Código Civil foi feita apenas para tratar de sua transferência), de uma transferência de tecnologia ou ainda por meio de outros formatos mais criativos. Mas a essência econômica é a mesma: dar marcha a um negócio, para que o mesmo ganhe valor em si e possa ser transferido.
A nosso ver, esta lógica jurídico-econômica pode ser aplicada para a identificação do cunho empresarial em sociedades uniprofissionais. Se a estrutura econômica for transferível a terceiros, sem solução de continuidade no atendimento à clientela, haverá uma empresa; portanto, estará presente o cunho empresarial. Já se a substituição dos sócios afetar sensivelmente a continuidade dos negócios (o que naturalmente ocorrerá na grande maioria das uniprofissionais, em que a vinculação entre clientes e profissionais está fundada na confiança), a uniprofissional não apresentará cunho empresarial, e assim poderá manter o benefício tributário.
Enfim, trata-se de uma proposta simples. Simples como devem ser os critérios de caracterização não só do cunho empresarial das uniprofissionais, como também de muitos outros institutos jurídicos em que a complicação nada traz além de insegurança.
Autor: Fábio Tokars é mestre e doutor em Direito. É advogado sócio do escritório Marins Bertoldi Advogados Associados. É professor de Direito Empresarial na PUCPR, no curso de Mestrado em Direito do Unicuritiba e na Escola da Magistratura do Estado do Paraná.
Fonte: Artigo enviado por vanessa@pg1com.com
Uma proposta de critério de identificação do cunho empresarial nas sociedades uniprofissionais
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